domingo, 19 de junho de 2011

Neutralização da Acidez Subsuperficial

Os solos do Brasil, além de serem ácidos, apresentam problemas de acidez subsuperficial, pois a incorporação do calcário nem sempre é possível fazê-la profundamente. Sendo assim, as camadas profundas, além dos 35 cm, podem apresentar níveis tóxicos de alumínio. As raízes, nestas condições, encontram dificuldades para absorverem os nutrientes do solo e para buscarem água. As plantas sofrem com os veranicos e limitação de produtividade. A aplicação de gesso agrícola contribui para diminuir a saturação de alumínio nas camadas mais profundas. O sistema radicular consegue, então, se aprofundar no solo e ao alcance dos nutrientes e água. Entretanto, não podemos confundir o gesso
como corretivo de acidez. Ele não neutraliza a acidez do solo. O gesso agrícola deve ser utilizado quando a análise do solo na camada de 30-50 cm apontar uma saturação por alumínio (m%) maior que 20% ou quando a saturação de cálcio for menor que 60%, ou ambas.  Para calcular a saturação por alumínio (m%) e a saturação de cálcio, clique nos links abaixo:
Cálculo das saturações de Ca, Mg e K
A dose de gesso, em kg/ha, varia de acordo com a textura do solo: arenosa, 700; textura média, 1.200; argilosa, 2.200; muito argilosa, 3.200. O efeito residual é por cinco anos.A calagem visa o aumento do pH do solo, aumento de Ca e Mg, neutralização do Al tóxico e aumento da CTC efetiva. O efeito do calcário se limita à profundidade que foi incorporado: se aplicado superficialmente, as camadas subsuperficiais apresentam condições adversas ao desenvolvimento do sistema radicular. Para atingir as camadas mais profundas seria necessário:
1. incorporação motomecanizada do calcário que é possível somente nos sistemas convencionais de cultivo. É impraticável nos sistemas de plantio direto e culturas perenes estabelecidas;
2. mobilização químico-orgânica, que consiste na utilização do gesso agrícola aliado à calagem superficial. Há um aumento do Ca e uma diminuição do Al tóxico, em profundidade. Um problema é que o gesso pode causar lixiviação de cátions básicos, não aumentar o pH do solo, não disponibilizando cargas negativas de troca nos coloides do solo.
Oliveira & Pavan (1966) observaram em sistema de plantio direto e em pomar de macieiras estabelecidas, manejado com restos vegetais de aveia preta e plantas invasoras, em que a calagem superficial reduziu o teor de Al, aumentou o pH do solo e o teor de Ca até 40 cm de profundidade. Os resíduos vegetais liberariam compostos orgânicos antes da decomposição pelos microorganismos do solo. Os compostos orgânicos mobilizariam o Ca, aumentariam o pH do solo e neutralizariam o Al em profundidade. Como as plantas invasoras têm a propriedade de produzir grande quantidade de biomassa e alto potencial de liberação de compostos orgânicos, é de grande interesse utilizá-las para melhorar a eficiência da calagem na neutralização da acidez do solo. As plantas invasoras seriam um potencial para a mobilização do Ca pelos compostos orgânicos, possibilitando que os efeitos da calagem superficial se estenda às camadas subsuperficiais.
Os solos do Cerrado apresentam acidez subsuperficial porque a incorporação do calcário nas camadas profundas nem sempre é possível. Mesmo que a calagem tenha sido bem feita, seguindo as recomendações técnicas, ela não atinge as camadas profundas (abaixo de 35 cm) que continuam com a presença de alumínio tóxico. A baixa capacidade de retenção de água destes solos corrobora para aumentar o problema, traduzindo-se em quedas de produtividade. Uma solução seria usar maior quantidade de calcário por um tempo maior. Outra seria a utilização de gesso para diminuir a saturação de alumínio nas camadas profundas, pois o sulfato do gesso ajudaria no arraste  do Ca do calcário para estas camadas. O sistema radicular das plantas apresentaria um melhor desenvolvimento nestas camadas profundas buscando água e nutrientes. A planta suportaria melhor os veranicos. Na imagem abaixo, podemos notar que aonde não foi aplicado gesso, o desenvolvimento do sistema radicular concentrou-se (60%) na camada de 0-15 cm. Onde foi aplicado gesso, verifica-se uma melhor concentração do sistema de raízes nas camadas mais profundas do que na lavoura sem gesso.

Fonte: Blog Na Sala com Gismonti

Recomendação de Gesso Agrícola para a cultura do café

A maioria dos solos utilizados para o plantio do café, no Brasil, apresenta baixos teores de cálcio trocável e elevados teores de alumínio, especialmente em camadas mais profundas. Dessa forma, as raízes do cafeeiro tendem a ficar concentradas na superfície do solo, o que torna as plantas extremamente suscetíveis a veranicos, além de reduzir a absorção de nutrientes que estão distribuídos em um maior volume de solo. Mas por que as raízes se concentram na superfície?
O efeito do calcário, em geral, não é observado em camadas mais profundas do solo, uma vez que o ânion, acompanhante carbonato (CO32-), imprime reduzida mobilidade ao cálcio no perfil do solo. É por isso que, ao se recomendar a calagem em cobertura, deve-se fazer a correção para 7 cm de profundidade, para que não ocorra uma supercalagem. Assim, grande parte do cálcio fica restrita às camadas superficiais do solo.
O cálcio, por sua vez, é um elemento eficaz para o crescimento vegetal, apresentando mobilidade intermediária no solo e pouquíssima, ou nenhuma, mobilidade nas plantas. Dessa forma, o cálcio enviado das raízes para as folhas do café não é retranslocado para as raízes, como acontece com o fósforo. Pode-se, então, fazer uma afirmativa de fácil entendimento: "as raízes do cafeeiro crescem em busca de cálcio, e, onde não houver cálcio, praticamente, não haverá raízes de café".
Além disso, o alumínio (Al3+) presente em camadas inferiores, não corrigidas pelo calcário, é tóxico para as plantas em concentrações elevadas. Portanto, haverá pouco crescimento radicular nessas camadas, devido aos baixos teores de cálcio e à possível toxidez de alumínio.
Para contornar esse problema, que, muitas vezes, não fica explícito, mas que reduz a produção das lavouras, deve-se utilizar o gesso. O gesso agrícola é composto, basicamente, por sulfato de cálcio (CaSO4.2H2O), contendo, aproximadamente, 32,6% de CaO e 18,7% de S, sendo fonte, além de cálcio, de enxofre. É um sal neutro e dissocia-se, quando em solução, em Ca2+ e SO4-2. Logo, não apresenta receptores de prótons (OH- e HCO3-), ou seja, não é capaz, a princípio, de neutralizar a acidez do solo, muito menos de elevar a CTC. Dessa forma, é considerado como um condicionador do solo, não um corretivo.
O ânion, acompanhante sulfato (SO42-), imprime elevada mobilidade ao cálcio, permitindo que este nutriente chegue a camadas mais profundas do solo. Além disso, o sulfato, oriundo do gesso, se liga ao alumínio do solo, formando o sulfato de alumínio (AlSO4+), que é uma forma menos tóxica para as plantas. O gesso promove, também, outras formas de redução da toxidez de alumínio, como a "auto-calagem" ou a formação de AlF2+, mas essas ocorrem com menor intensidade do que a formação de AlSO4+.
Por fornecer enxofre e cálcio, dar mobilidade ao cálcio até camadas mais profundas do solo e reduzir a toxidez de alumínio em sub-superfície, o gesso é um insumo fundamental para a cultura do café, pois favorece o crescimento e o desenvolvimento radicular. Com isso, as plantas ficam menos sensíveis a períodos de veranico e são capazes de absorver nutrientes presentes em um maior volume de solo.
Aplicação de gesso
O gesso é um importante insumo para a cafeicultura, mas tem seu emprego limitado a situações particulares bem definidas. O uso indiscriminado de gesso nas lavouras pode causar problemas em vez de benefícios e prejuízos em vez de lucros.
           

















A utilização do gesso é prescrita para as três situações de sub-solo listadas a seguir. Se apenas uma delas for satisfeita, deve-se aplicar o gesso.

- Teor de cálcio menor ou igual a 0,4 cmolc/dm3.
- Teor de alumínio maior que 0,5 cmolc/dm3.
- Saturação por alumínio (m) maior que 30%.

Essas são situações a serem determinadas no sub-solo, por meio de análises químicas. Portanto, a amostragem de solo, para esse caso, deve ser realizada na camada de 20 a 40 cm de profundidade, ou mais profundas, não na de 0 a 20 cm. Para verificar a necessidade de aplicação de gesso, os resultados analíticos da camada de 0 a 20 cm não querem dizer muita coisa. Essa decisão só pode ser tomada com base nos resultados analíticos da camada de 20 a 40 cm.
Concluindo-se pela aplicação do gesso, segundo as três regras citadas, o cálculo da quantidade a ser utilizada é muito simples e se fundamenta no cálculo para a necessidade de calagem. Divide-se em necessidade de gessagem (NG) e quantidade de gesso a ser aplicada (QG).

NG = 0,30 x NC, onde:
NG = Necessidade de gesso, em t/ha.
NC = Necessidade de calcário, em t/ha (calculada para a camada que se deseja corrigir com gesso, não para a camada de 0 a- 20 cm. Essa NC é utilizada apenas para o cálculo da NG, não sendo aplicada ao solo).
QG = NG x (SC/100) x (PF/20), onde:
QG = Quantidade de gesso a ser aplicada para corrigir determinada camada de solo, em t/ha.
NG = Necessidade de gesso, em t/ha.
SC = Superfície coberta pelo gesso, em%. (para área total utiliza-se SC = 100%; para aplicação em faixas utiliza-se SC = 75%).
PF = Espessura da camada onde o gesso deverá agir, em cm. (para a camada de 20 a 40 cm utiliza-se PF = 20 cm; já para a camada de 30 a 60 cm utiliza-se PF = 30 cm).

O gesso pode ser aplicado junto com o calcário, mas é preferível que seja usado após a aplicação deste. Aplica-se a quantidade de calcário calculada para a camada de 0 a 20 cm e a quantidade de gesso calculada para a camada sub-superficial. O gesso pode ser aplicado em cobertura, sem necessidade de incorporação, pois é muito móvel no solo. Se não houver necessidade de calagem para a camada superficial, pode-se aplicar apenas o gesso, mas esta condição deve ser revista anualmente.

A aplicação de gesso, mal calculada e sem o prévio conhecimento sobre se há necessidade de calagem para a camada superficial, é prejudicial ao equilíbrio químico do solo e à nutrição balanceada do cafeeiro. No entanto, quando bem prescrita e calculada, a aplicação de gesso é fundamental para que seja alcançada elevada produtividade na cafeicultura.

André Guarçoni Martins,
Doutor em Solos e Nutrição de Plantas na Universidade Federal de Viçosa-MG e pesquisador em Manejo de Culturas no INCAPER.

Quando o corretivo não é bem utilizado

Por Wignez Henrique1

Já dizia o antigo ditado que "cavalo dado não se olha os dentes", mas na verdade há de se tomar cuidado com o presente, uma vez que a manutenção do cavalo pode custar muito caro.

O fato ocorreu foi em uma propriedade em Tanabi, noroeste do Estado de São Paulo, que apresentava solo de baixa qualidade, desgastado, com pasto degradado. Há cerca de 10 anos atrás, foi feita a implantação de novas pastagens com Panicum maximum eBrachiaria decumbens cv. Marandu. Nessa implantação e no decorrer dos anos seguintes foram feitas correções do solo e adubações relativamente altas de nitrogênio, fósforo e potássio. As pastagens foram utilizadas para cria e engorda de bovinos de corte. O solo chegou a 70% de saturação de bases e permaneceu nesse patamar por alguns anos, essa e as outras características do solo em maio de 2003 podem ser vistas no quadro abaixo.

Nos meados do ano passado, algumas empresas ofereceram gratuitamente o gesso (sulfato de cálcio), e recomendaram a adição desse corretivo nas pastagens da região. O único gasto seria com o frete do carregamento do gesso até a propriedade. A recomendação era que fosse utilizado o gesso como fonte de enxofre, uma vez que contém cerca de 15% desse elemento. Assim, o dono dessa propriedade distribui cerca de 450 kg de gesso/ha, em meados de 2003.

Também no quadro abaixo é mostrada a análise do mesmo solo realizada em maio de 2004. Vale lembrar que ambas as análises foram realizadas em amostras retiradas na camada de 0 a 20 cm de profundidade do solo, e que ambas foram realizadas no mesmo laboratório.

Quadro 1 - Análises de solo de uma mesma área no município de Tanabi, SP, realizadas em anos subseqüentes pelo mesmo laboratório


Ocorreu uma verdadeira "lixiviação" de alguns nutrientes e a adsorção de outros, tornando-os indisponíveis para as plantas. Ou seja, o solo que tinha excelentes características, principalmente ao considerarmos a região e sendo área de pasto, tornou-se um solo de média a baixa fertilidade, e o pior, em prazo muito curto.

É ainda necessário tomar-se as devidas precauções na recomendação da aplicação do gesso, precauções essas já publicadas há muitos anos atrás e que englobam medidas anteriores à recomendação da aplicação do gesso agrícola:

- fazer amostragens e análises do solo tanto da camada de 0-20 cm, como nas camadas subsuperficiais, 20-40 e 40-60 cm, prestando-se atenção nos possíveis desbalanços de magnésio e potássio;

- observar se existem sintomas visuais de deficiência nas plantas forrageiras (em gramíneas, o sintoma principal é o amarelecimento das folhas mais novas, precedendo o amarelecimento das folhas mais velhas);

- e também realizar análises foliares.

A forma ainda mais "segura" de se corrigir a deficiência de enxofre nas pastagens é distribuindo adubos nitrogenados e fosfatados que contenham esse elemento. Além disso, parte do enxofre é reposta naturalmente por gases da atmosfera.

O uso do gesso agrícola, como corretivo, não dispensa o uso do calcário, talvez até exija essa associação. Além disso, doses máximas recomendadas são de 300 kg/ha, segundo a literatura.

Como fonte de enxofre, deve-se recomendar com cautela esse corretivo, talvez até utilizando-se doses menores e distribuídas no decorrer de alguns anos, e principalmente, após a serem detectadas deficiências desse nutriente nas plantas.